Onde estão os Jovens Cientistas?
Há 30 anos o CNPq distribui um prêmio para estimular o interesse dos
estudantes pela pesquisa. A iniciativa de fato incentiva a opção por
uma carreira científica? Que rumo tomam seus ganhadores? Nossa
reportagem investiga.
Por: Desireé Antônio
Publicado em 15/02/2010
|
Atualizado em 15/02/2010
A baiana Joana
Fidelis da Paixão, premiada na edição de 2002 do Jovem Cientista,
seguiu carreira acadêmica e hoje é doutoranda em geologia marinha pela
UFBa (foto: Divulgação CNPq).
O reconhecimento de seu trabalho e a cerimônia em que o prêmio é entregue aos jovens pelo próprio presidente da República ficam em suas lembranças por muito tempo. Mas será que esses alunos – cientistas em potencial – conseguem manter seu envolvimento com a pesquisa após o prêmio? O prêmio de fato estimula a opção por uma carreira científica? Nossa reportagem foi atrás de alguns ganhadores do Jovem Cientista para responder a essas questões.
Para o vencedor da edição de 2002 na categoria graduado, o físico gaúcho Adriano Moehlecke, o prêmio facilitou a captação de recursos para pôr em prática o seu projeto de pesquisa. Sua ideia era produzir módulos fotovoltaicos – equipamentos que transformam energia solar em elétrica, em escala industrial e a custos menores do que encontrados atualmente.
Estudioso de geração de energia solar há 18 anos, Moehlecke conta que retornou em 1997 da Espanha, onde cursou seu doutorado, com a intenção de iniciar testes para desenvolver a tecnologia em escala industrial. O físico contou com recursos do CNPq e pôde usar laboratórios da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e da Pontifícia Universidade Católica do mesmo estado (PUCRS).
“Ter ganhado o prêmio facilitou busca investimento para a produção de módulos fotovoltaicos”
O primeiro produto – um lote com 200 unidades dos módulos – foi entregue em dezembro passado
às empresas que patrocinaram o projeto. “Ter ganhado o prêmio facilitou
busca investimento. É uma grande mídia e facilitou nossos contatos”,
avalia.Professor do curso de Física da PUCRS e coordenador do Núcleo Tecnológico de Energia Solar da universidade, Moehlecke faz uma ressalva ao atual regulamento do prêmio: ele acredita que as inscrições deveriam valer para duplas ou grupos de pesquisadores e não apenas individualmente. “Eu mesmo fiz todo o trabalho com a minha colega e esposa Izete Zanesco e não pude incluir o nome dela.”
O gaúcho Adriano Moehlecke ao lado da colega e esposa Izete Zanesco,
com quem desenvolveu módulos fotovoltaicos para a transformação de
energia solar em elétrica. Na opinião do físico, que recebeu o Jovem
Cientista por esse feito, o prêmio deveria aceitar inscrição de
trabalhos com mais de um autor (foto: Divulgação CNPq).
Divisor de águas
Se para Moehlecke o Jovem Cientista facilitou a concretização de seu projeto, para o estudante mineiro de psicologia Magno Ivo, vencedor da edição de 2004 na categoria ensino médio, a maior motivação para se candidatar ao prêmio era a possibilidade de ganhar um computador – objeto de que precisava e que à época não tinha condições de comprar.Seu interesse por ciência e o incentivo de uma professora de história o levaram a estudar os hábitos alimentares do município de Montes Claros (MG), com o objetivo de propor soluções para reduzir a fome na região. Hoje, Ivo é aluno de psicologia nas Faculdades Unidas do Norte (Funorte) com bolsa do Programa Universidade para Todos (Prouni).
Para ele, a premiação representou um divisor de águas. “O prêmio é um marco que divide minha vida em duas partes: uma sem grandes sonhos no meio acadêmico e outra nova e totalmente voltada para a pesquisa e busca do conhecimento”, afirma o aluno, que pretende se dedicar à psicologia ambiental ou social.
Casos como os de Magno Ivo e de outros alunos que não vivem nos grandes centros urbanos têm se tornado mais frequentes dentre os vencedores das últimas edições do Jovem Cientista. “É muito comum ver pessoas com falta de estrutura conseguirem fazer ótimos trabalhos e vencerem”, conta Maria Clara Ulhoa, uma das coordenadoras do Serviço de Prêmios do CNPq.
Segundo ela, o aumento crescente do número de inscrições a cada ano se explica por fatores como a grande divulgação da iniciativa e o exemplo de outros estudantes que venceram o concurso e se tornam modelos para seus colegas. “Forma-se um círculo virtuoso”, diz Ulhoa, “em que as próprias escolas e professores incentivam seus alunos a participarem, já que eles também são premiados”. Em 2008, foram recebidas 1.748 inscrições – mais do que o dobro da edição de 2004, com 721 candidatos. As inscrições para a edição deste ano estão abertas até 30 de junho e devem ser feitas na própria página do prêmio.
E depois?
Apesar do potencial desses jovens e do investimento do prêmio, Maria Clara Ulhoa diz que o CNPq não desenvolve qualquer ação específica a fim de manter a ligação dos vencedores com a carreira científica.
Dos 143 estudantes premiados, 86 estão matriculados em algum curso de pós-graduação
Mas fato é que, seja pela inclinação pessoal, pelo estímulo do
prêmio ou por outros motivos, a grande maioria dos premiados continua
envolvida, se não com a pesquisa em senso estrito, ao menos com a
academia. A revelação é de um levantamento do CNPq que reúne informações sobre as atividades atuais dos 143 estudantes já premiados. Finalizado no ano passado, o documento aponta que 86 estão matriculados em algum curso de pós-graduação.Dentre elas, duas vencedoras – a baiana Joana Fidelis da Paixão, doutoranda em geologia marinha pela Universidade Federal da Bahia (UFBa), e a mineira Terezinha da Costa Rocha, mestranda em educação pela PUC-MG – apontam o prêmio como algo que viabilizou a continuidade de seu envolvimento com a pesquisa.
Joana ganhou o segundo lugar da edição de 2002 na categoria graduado, com sua pesquisa de monitoramento ecotoxicológico para permitir a produção de combustíveis menos prejudiciais ao meio ambiente, baseada na sua dissertação de mestrado. Ela lembra que se sentiu recompensada por ter o trabalho premiado.
“Tinha passado por problemas pessoais entre o mestrado e o doutorado e cheguei a pensar em parar. Mas ganhar o prêmio me deu gás para continuar”, conta. “É, sem dúvida, o principal produto que tenho em meu currículo”.
Assista a um depoimento de Joana Fidelis da Paixão sobre sua pesquisa e sobre a importância do prêmio.
Antes de elaborar o dicionário, foram promovidos grupos de estudos com estudantes deficientes auditivos da universidade para saber quais eram suas necessidades e dúvidas. O projeto foi escolhido como o melhor da categoria “graduando” em 2006, e ela ganhou como prêmio uma bolsa do CNPq até o término do curso.
Como já estava quase se formando, o auxílio para a graduação foi revertido para o mestrado, que conclui neste ano. “Acredito que não devo parar por aí, ainda quero fazer muitas pesquisas que posam trazer contribuição para uma sociedade mais acessível e tecnológica”, planeja.
A mineira Terezinha da Costa Rocha recebe o Jovem Cientista das mãos do
presidente Lula. Ela ganhou a edição de 2008 do prêmio pelo
desenvolvimento de um dicionário temático de filosofia na linguagem
Libras, para deficientes auditivos (foto: Divulgação CNPq)
Em todos os casos ouvidos pela reportagem, o “Jovem Cientista”
contribuiu, de alguma forma, para que os vencedores optassem pela
carreira de pesquisador, o que não significa que a iniciativa, por si
só, seja uma garantia de que isso aconteça.
Mas certamente esforços como esses, que reconhecem o trabalho desses
jovens, são um grande incentivo para que os estudantes invistam na área
científica, já que ele funciona como um diferencial em seleções de
pós-graduação ou mesmo de financiamento de projetos.É Joana quem melhor define o peso da premiação para sua carreira: “O prêmio é uma espécie de chancela de qualidade. É como se o CNPQ dissesse que aquela pessoa vale a pena, e isso faz muita diferença”, ressume.
Desireé Antônio
Especial para a CH On-line
http://cienciahoje.uol.com.br/noticias/2010/02/onde-estao-os-jovens-cientistas
Nenhum comentário:
Postar um comentário