Os segredos evolutivos do orgasmo feminino
O orgasmo é visto atualmente como sinônimo de uma relação
sexual saudável, e tornou-se quase um fim em si mesmo. Do ponto de vista
biológico, porém, o sexo é apenas um meio de assegurar a reprodução. O
clímax feminino teria um papel biológico?
Por:
Carlos Roberto Fonseca
Publicado em 18/08/2010
|
Atualizado em 18/08/2010
Arte: Renato Alarcão.
O papel biológico do orgasmo masculino é claro para a maioria das
pessoas. Como invariavelmente ele está ligado à ejaculação, não há
qualquer dúvida a respeito de sua função reprodutiva. O orgasmo
masculino seria assim uma espécie de ‘festa de comemoração’, favorecida
pela seleção natural, ao longo da evolução, para incentivar e premiar a
esperada transferência do esperma para o aparelho reprodutivo da fêmea.
O papel biológico do orgasmo feminino, no entanto, é considerado um
grande mistério. Para começar, não existe sincronia entre o momento do
orgasmo feminino e a liberação dos óvulos pelos ovários.
Aliás, o período exato do ciclo menstrual em que as mulheres estão
férteis parece ser um segredo tão bem guardado que, aparentemente, nem
mesmo elas sabem. Muito menos seus parceiros!
Essa ‘ovulação oculta’ contrasta bastante com o ocorre com as fêmeas
de muitos outros mamíferos, que anunciam aos quatro ventos seu estado
fértil por meio de cores brilhantes, cheiros especiais e solicitações
ostensivas.
Em chimpanzés, por exemplo, as partes íntimas das fêmeas tornam-se
irresistivelmente rosadas e elas exibem um comportamento altamente
receptivo.
Entretanto, a norte-americana Elisabeth Anne Lloyd, filósofa da
biologia, da Universidade de Indiana (Estados Unidos), acredita que não
há mistério algum a ser desvendado. Em sua opinião, o orgasmo feminino
não teria função biológica. Seria simplesmente um subproduto da evolução
do orgasmo masculino, este com uma clara função biológica.
Esse tipo de explicação não adaptacionista é a mesma usada para
explicar por que os homens têm mamilos, já que estes não têm função
alguma no corpo masculino.
Uma hipótese atual propõe que os mamilos masculinos seriam
subprodutos da evolução dos mamilos femininos, estes com clara função
biológica, associados ao cuidado dos bebês.
Assim, tanto os mamilos nos homens quanto o orgasmo nas mulheres
seriam uma espécie de ‘troça’ pregada pelos complicados mecanismos de
herança genética dos caracteres.
Arte: Renato Alarcão.
Darwin e a teoria da seleção sexual
Muitos pesquisadores acreditam, porém, que o orgasmo feminino, em
toda a sua complexidade fisiológica, morfológica e comportamental, só
pode ser compreendido por meio da teoria da seleção sexual proposta pelo
naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882).
Em seu famoso livro
A origem do homem e a seleção sexual,
de 1872, ele propôs que as disputas sexuais entre indivíduos da mesma
espécie influenciam profundamente sua evolução. Segundo Darwin, essas
disputas podem ser divididas em dois tipos principais: competição entre
machos e escolha por parte das fêmeas.
A competição entre machos é a velha disputa que permite estabelecer
uma hierarquia de dominância entre eles. Afinal, quem é o maior, mais
forte, mais veloz, mais bonito e mais saudável entre os jovens da
região? No mundo animal, muitas vezes essa hierarquia é decidida com a
ajuda de dentes, garras e chifres, em lutas de final nem sempre feliz.
Na espécie humana, essa competição se manifesta de modo diferente em
cada cultura. Em alguns casos, ela pode ser mais ‘animal’, enquanto em
outros casos pode ser ritualizada e regrada, como acontece em campos de
futebol, bares, pátios de escolas, ambientes de trabalho e, mesmo, no
trânsito.
Na história humana, poder e sexo sempre estiveram associados. Antes
da difusão de alguns conceitos democráticos e religiosos do Ocidente, os
homens que ocupavam posições mais altas na hierarquia de suas
sociedades conquistavam as maiores performances reprodutivas, ou seja,
tinham mais filhos.
Sociedades em que apenas um homem atingiu um grau ilimitado de poder
são particularmente ilustrativas. Todos os déspotas de grandes
civilizações antigas (babilônica, egípcia, hindu, chinesa, asteca e
inca) organizaram grandes haréns, contendo de centenas a milhares de
esposas, concubinas ou escravas, às quais eles tinham acesso sexual
exclusivo.
Os únicos homens permitidos nesses haréns eram os eunucos, castrados
ainda em idade precoce. Essa poligamia extrema, incomum na espécie
humana, invariavelmente levou a extraordinárias hordas de descendentes.
A escolha pela fêmea é um mecanismo mais sutil. Como cada fêmea, ao
longo da vida, tem apenas algumas oportunidades reprodutivas, não é
vantajoso desperdiçar essas poucas chances com qualquer um. Assim, as
fêmeas desenvolveram grande capacidade de observação.
Cada potencial parceiro é submetido a um cuidadoso exame, no qual
suas potencialidades e defeitos são registrados e considerados. Aqueles
que se saírem melhor nos testes terão grande chance de ser escolhidos
como parceiros sexuais.
Quanto aos ‘reprovados’... Bem, quem sabe em uma próxima vez. Essa
seleção criteriosa é justificada, já que, em função dos mecanismos de
herança genética, as boas características do parceiro escolhido têm
grande chance de aparecer em seus filhos. As más, também.
Para que serve o orgasmo feminino?
Diversas hipóteses adaptacionistas foram propostas para explicar o
orgasmo feminino. O zoólogo inglês Desmond Morris, no clássico livro
O macaco nu,
de 1967, defende que a evolução da postura ereta em humanos teria
dificultado a fertilização, já que nas fêmeas humanas atuais o orifício
externo do colo uterino, por onde o esperma tem que penetrar, situa-se
em posição superior da vagina.
Segundo essa hipótese, o relaxamento muscular decorrente do orgasmo
induziria a mulher a permanecer deitada após o ato sexual, aumentando
suas chances de fertilização. Contudo, a ocorrência de orgasmo em
diversos animais quadrúpedes sugere que essa hipótese não é correta.
Outra hipótese adaptacionista baseia-se no fato de que, como o bebê
humano nasce mais indefeso do que os filhotes da maioria dos animais,
sua sobrevivência só é assegurada pelos cuidados da mãe e do pai.
Segundo essa proposta, os orgasmos – tanto o masculino quanto o feminino
– seriam um incentivo prazeroso para selar a aliança do casal e
favorecer a sobrevivência dos filhos.
O problema com essa hipótese é que o orgasmo, da mesma forma que pode
ajudar a criar um vínculo de longo prazo em um casal, pode também ser o
estímulo para que um dos parceiros resolva ‘pular a cerca’ e ter
relações sexuais extraconjugais.
Carlos Roberto FonsecaDepartamento de Botânica, Ecologia e Zoologia,
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/2010/273/os-segredos-evolutivos-do-orgasmo-feminino