Novas janelas para o mundo
Córneas biossintéticas são testadas com sucesso em pacientes
com visão ameaçada. O avanço pode ser o caminho para atender à enorme
demanda por doações de córnea, que deixa cerca de 10 milhões de pessoas
sem tratamento por ano.
Por: Júlia Dias Carneiro
Publicado em 25/08/2010
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Atualizado em 25/08/2010
A córnea é a camada
superficial transparente que age como uma janela refratora para o globo
ocular, ajudando a ajustar o foco. Lesões e doenças na membrana são a
segunda causa de cegueira no mundo (foto: Mateusz Stachowski).
Depois da catarata, lesões e doenças que atingem a córnea são a
segunda maior causa de cegueira no mundo. Por mais de um século, a
solução para remediar esse mal tem sido o transplante da córnea de
doadores humanos. A demanda, porém, é muito maior que a oferta. Dos 10
milhões de pacientes que permanecem na fila de espera, cerca de 1,5
milhão viram novos casos de cegueira a cada ano.
Mas um trabalho publicado esta semana por cientistas suecos e canadenses na Science Translational Medicine
pode pôr fim a esse cenário sombrio. O artigo apresenta os resultados
bem-sucedidos de testes clínicos para implantar córneas biossintéticas
em 10 pacientes com lesões graves na membrana, fazendo com que os
tecidos ao redor dela se regenerassem.
“O estudo é importante porque é o primeiro a mostrar que uma córnea
artificialmente fabricada pode se integrar ao olho humano e estimular a
regeneração”, comemora a pesquisadora May Griffith, da Universidade de Ottawa, no Canadá, e da Universidade de Linköping, da Suécia.
Os voluntários, todos suecos, foram submetidos a cirurgias para
remover a membrana danificada de um olho e substituí-la pela versão
sintética.
Ao longo dos dois anos seguintes, os médicos acompanharam o progresso
e verificaram que os implantes foram incorporados pelo organismo, com o
crescimento de células epiteliais e nervos em torno da membrana.
A sensibilidade dos olhos foi gradualmente restituída, assim como a
capacidade de produzir lágrimas, essencial para lubrificar e assim
oxigenar a córnea – que não é irrigada por sangue para preservar sua
transparência.
A córnea é uma camada de colágeno e células que age como uma janela
para o globo ocular. É o principal elemento refrativo do aparelho
visual, ajudando a ajustar o foco, e precisa ser completamente
transparente para permitir a entrada de luz. Diversos males podem
prejudicar essa função, como o tracoma – a principal origem infecciosa
de cegueira, causada por uma bactéria –, úlceras e traumatismos.
Na pesquisa, nove dos pacientes tinham ceratocone
avançado (uma doença que modifica o formato da córnea) e um tinha uma
infecção na membrana. Em seis deles, a visão a olho nu melhorou após a
cirurgia.
Para os demais, o uso de lentes de contato fez o que faltava:
permitiu que vissem tão bem quanto pacientes que haviam sido submetidos a
transplante de córnea humana, também com lentes. E mais: antes da
cirurgia, nenhum deles podia usar lentes de contato, apresentando
intolerância para o uso prolongado.
A pesquisadora May Griffith exibe a córnea biossintética que foi
implantada no olho de dez pacientes para restaurar a visão (foto: Ottawa
Hospital Research Institute).
DNA de colágeno humano
O ingrediente-chave para o sucesso da pesquisa foi o desenvolvimento
de uma córnea artificial usando colágeno humano recombinante –
sintetizado em laboratório a partir de DNA humano. “Células de levedura
foram manipuladas geneticamente para conter o DNA do colágeno”, explica
May Griffith à CH On-line.
“A proteína do colágeno foi então produzida no laboratório em grandes
quantidades, purificada e testada para garantir segurança no uso
humano”, conta ela. O material, desenvolvido pela empresa Fibrogen, na
Califórnia (EUA), foi então moldado para ganhar o formato da córnea.
O uso do material artificial apresentou diversas vantagens em relação aos transplantes de córneas de doadores.
De acordo com a pesquisa, nenhum dos pacientes apresentou rejeição ao
material, e em nenhum dos casos foi preciso suprimir a resposta
imunológica dos indivíduos (técnica que pode ser usada em transplantes
para evitar que o sistema imune do corpo rejeite o novo tecido
implantado).
Além disso, o uso de córneas biossintéticas não traz o risco de
transmissão de doenças que existe quando se usa o tecido de um doador. A
prevenção desse risco, aliás, é uma das etapas que mais encarece o
transplante, explica Griffith.
De acordo com a pesquisadora, o custo de córneas humanas de doadores é
estimado em US$ 2 mil cada. “Isso é devido ao rastreamento necessário
em cada doador para assegurar que não haverá transmissão de doenças para
os receptores. No futuro, com córneas feitas por humanos, a fabricação
poderia feita em grande escala e os custos seriam menores”.
De acordo com Griffith, o objetivo não era substituir o uso de tecido
humano, e sim desenvolver uma alternativa para suprir a demanda. “Claro
que no futuro esperamos chegar a modelos que funcionarão ainda melhor
que o tecido humano. Até lá, será preciso realizar muita pesquisa e
testar um número bem maior de pacientes”, pondera.
A córnea artificial, fabricada a partir de DNA de colágeno humano, e seu
posicionamento para o implante (imagem: reprodução/ Science
Translational Medicine).
Uma década de tentativas
Griffith e sua equipe começaram a desenvolver córneas biossintéticas
há mais de dez anos. Só depois de muitos testes em laboratório, e alguns
em animais, é que foi dado o passo de testar o material em pessoas.
“Ao longo desses dez anos, desenvolvemos vários tipos de
biomateriais, inclusive a próxima geração de córneas biossintéticas que
será usada na próxima fase de estudos”, conta ela.
Para Griffith, os resultados são “muito animadores” e indicam que as
pesquisas em medicina regenerativa são um caminho certo para tratar
problemas na córnea. “Agora temos que testar as córneas biossintéticas
em um maior número de pacientes, aplicadas a um espectro mais amplo de
condições que exigem o transplante”, explica.
Na próxima fase, os testes serão feitos com a versão aprimorada da
córnea artificial. “Com esse material mais forte e as lições aprendidas
da primeira fase, esperamos aprimorar ainda mais a visão dos próximos
pacientes que receberem os implantes”, diz.
Júlia Dias CarneiroCiência Hoje On-line
Um comentário:
MUITO CONHECIMENTO PARA FAZER ISSO LEGAL MANEIRO!!
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