Répteis marinhos de sangue quente
Como determinar o metabolismo de espécies extintas? Uma
análise de isótopos mostrou que alguns répteis marinhos pré-históricos
conseguiam controlar a temperatura interna, ao contrário de seus
distantes parentes atuais.
Por: Alexander Kellner
Publicado em 21/06/2010
|
Atualizado em 21/06/2010
Reconstrução de um
plesiossauro coletado pela equipe do Museu Nacional/UFRJ na Antártica,
feita pelo paleoescultor Orlando Grillo (foto: Alexander Kellner).
Saber como funcionava o metabolismo de animais extintos é sempre um
problema, sobretudo quando pertencem a grupos que não deixaram
descendentes. Este é o caso dos répteis marinhos que dominaram os mares
durante a era Mesozóica, enquanto seus parentes distantes – os
dinossauros – predominavam em terreno firme.
Uma pesquisa liderada por Aurélien Bernard, da Universidade de Lyon
(França), acaba de ser
publicada
na Science e parece ter solucionado o problema ao empregar
uma técnica bem interessante: a análise de isótopos de oxigênio
encontrado em fósseis de répteis marinhos, e sua comparação com os de
peixes da mesma época.
Reconstrução de um ictiossauro exposto no Museu de História Natural de
Stuttgart, na Alemanha (foto: Alexander Kellner).
Os três principais grupos de répteis que dominaram os mares da era
Mesozoica são: os ictiossauros, os plesiossauros e os mosassauros.
Curiosamente, os três se originaram de espécies terrestres, tendo, de
forma independente, conquistado os mares entre o período Triássico e o
Cretáceo (há cerca de 250-65 milhões de anos), quando se extinguiram.
Os
ictiossauros,
cujo tamanho variava de um a 16 metros, foram talvez os que melhor se
adaptaram ao ambiente aquático. Tinham uma forma semelhante à de um
golfinho atual, incluindo a grande nadadeira na parte dorsal do corpo.
Os plesiossauros, caracterizados por terem um pescoço maior do que os
demais répteis marinhos, podiam ter de dois a 14 metros de comprimento.
Devido ao formato de seus membros anteriores e posteriores, que
pareciam poderosos remos, acredita-se que esses répteis ‘voavam’ dentro
da água.
Por último, temos os
mosassauros,
que pertencem ao grupo dos lagartos marinhos. Tipicamente, atingiam
tamanhos de três a seis metros, apesar de também terem sido registradas
formas gigantescas.
Um esqueleto de plesiossauro em exposição no Museu de Ciência de Tóquio
(foto: Alexander Kellner).
Frio demais para répteis
De acordo com o registro fóssil, os ictossauros, plesiossauros e
mosassauros foram encontrados em águas frias, preservados em depósitos
na Austrália e até mesmo na Antártica. Nesse tipo de ambiente frio,
répteis tipicamente ectotérmicos não conseguem se adaptar – o registro
fóssil de espécies de tartarugas e crocodilomorfos, por exemplo, é
inexistente perto dos polos.
É verdade que, durante o Cretáceo, as temperaturas médias do planeta
eram maiores que as atuais – há quem defenda que não existiam as capas
polares de gelo como hoje em dia. Mesmo assim, estudos paleoambientais
demonstraram que a temperatura da água podia ser bastante fria, chegando
a valores negativos.
Tal fato intrigou os cientistas, que começaram a pensar que alguns
répteis marinhos do passado podiam ter um metabolismo diferente da
maioria dos répteis.
De uma maneira bem simplificada, podemos separar os animais em seres
endotérmicos e ectotérmicos, de acordo como o seu metabolismo. Fala-se
em endotermismo quando o animal consegue gerar calor e manter a
temperatura de seu corpo estável. Já os animais ectotérmicos –
característica comum a todos os répteis de hoje – obtêm a maior parte
de seu calor corporal do meio ambiente.
As diferenças são facilmente perceptíveis. Assim como as vantagens:
um animal que pode controlar a temperatura de seu corpo fica menos
dependente do meio ambiente. Porém, isso tem um preço: um animal
endotérmico precisa de mais energia, o que significa a necessidade de
mais alimento, e de boa qualidade.
Esqueleto de mosassauro em ambiente aquático, em exposição no Museu de
História Natural de Stuttgart, na Alemanha (foto: Alexander Kellner).
Peixes como termômetro
Para tentar estabelecer o metabolismo dos três grupos de répteis
marinhos mencionados de forma mais empírica, Aurélien Bernard e seus
colaboradores elaboraram um modelo muito interessante. Como já foi
constatado experimentalmente, a presença de isótopos de oxigênio (no
caso δ
18O preservados em fosfato (que compõe ossos e dentes)
está diretamente relacionada à temperatura do corpo (ou seja, ao
metabolismo do animal) e à composição da água ingerida.
De uma forma simplificada, os cientistas mediram a composição do
isótopo δ
18O nos dentes de répteis marinhos e o compararam
com o mesmo isótopo de ossos e dentes de peixes encontrados no mesmo
depósito. O valor encontrado nos peixes deveria ser, segundo o estudo,
bem parecido com o valor da temperatura da água onde esses animais
viviam.
Assim, diferenças significativas entre os valores de isótopos
encontrados indicariam diferenças entre a temperatura do corpo dos
répteis marinhos e a do ambiente onde viviam.
Quanto mais parecidos os valores, maior a probabilidade de que o
réptil em questão dependesse do ambiente para manter sua temperatura
corporal; quanto mais díspares, maiores as chances de se presumir que o
animal não dependia do ambiente para regular a temperatura do seu corpo –
podendo, assim, ser considerado como endotérmico.
Os resultados
O estudo dos paleontólogos e geoquímicos demonstrou que as maiores
diferenças entre os valores de isótopos estão nos ictiossauros e nos
plesiossauros – ou seja, os dados indicam que eles eram endotérmicos, e
que mantinham uma temperatura corporal constante estimada em 35º C (com
até dois graus de variação para cima ou para baixo).
Nos mosassauros analisados, no entanto, os valores medidos indicam
que esses répteis devem ter sido mais dependentes da temperatura do
ambiente, sendo, portanto, ectotérmicos.
Os resultados obtidos nesse estudo parecem confirmar algumas ideias
sobre os répteis marinhos. Os ictiossauros e os plesiossauros são
considerados animais que podiam nadar por grandes distâncias, e,
inclusive, perseguir suas presas.
Já os mosassauros são tidos como predadores que emboscavam as suas
presas, o que indica que podiam, por curto espaço de tempo, nadar muito
rapidamente para capturar peixes ou outros organismos, mas, caso não os
alcançassem logo, perdiam o seu alimento.
O esquema reúne os principais grupos de répteis marinhos, mostrando como
as formas ancestrais, ectotérmicas, foram dando origem as formas
endotérmicas (imagem: reprodução/ Science).
Problemas e avanços
Como se pode imaginar, nem tudo são flores em um estudo assim. Entre
os problemas em se basear na comparação de dados isotópicos está a
possibilidade de os peixes não terem vivido exatamente no mesmo período
que os répteis marinhos.
Ainda que encontrados em um mesmo depósito, as pequenas lâminas ou
mesmo camadas que os separam podem significar uma variação de tempo de
dezenas ou até centenas de anos. E nós sabemos que isso pode, em termos
de temperatura, significar bastante.
Outro problema um pouco mais complexo é a possibilidade de os
isótopos de oxigênio estudados terem sofrido modificações por influência
dos processos formadores da rocha (conjuntamente denominados de
diagênese).
Seja como for, o resultado de Aurélien Bernard e colegas é uma
amostra da sofisticação do estudo da paleontologia. Técnicas refinadas
com medições de elementos preservados nos esqueletos dos animais podem
fornecer muitas informações sobre como viviam e funcionavam formas
extintas.
Alexander Kellner
Museu
Nacional/UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
Paleocurtas
As últimas do mundo da paleontologia(clique nos
links sublinhados para mais detalhes)
O CNPq acaba de divulgar um edital direcionado ao estudo
de fósseis.
Muito esperado pela comunidade científica, ele destina aproximadamente
R$ 6 milhões para projetos, em três faixas distintas. A iniciativa é
louvável, e certamente dará grande impulso às pesquisas paleontológicas
brasileiras.
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Vai começar a exposição 'Dinossauros e fósseis do Triângulo
Mineiro'. A principal parte da mostra será formada por exemplares de
répteis fósseis coletados em Minas Gerais, que serão exibidos entre
junho e novembro nas cidades de Ituiutaba, Campina Verde e Uberaba.
Mais informações com a Sociedade Brasileira de Paleontologia. |
A Scientific American (versão em português) publicou uma
edição especial sobre dinossauros e outros vertebrados fósseis, 'O
legado fóssil de gigantes',
incluindo artigos que tratam sobre desde a origem das penas das aves
até o desaparecimento de grupos de mamíferos no Chile. O volume também
apresenta, de forma simplificada, a revisão de alguns estudos recentes
sobre dinossauros, incluindo questões relativas ao seu crescimento. Lá
está também um artigo de Manuel Alfredo Medeiros, da Universidade
Federal
do Maranhão, sobre a fauna de dinossauros daquele estado. Não perca. |
Em seu último volume, a revista científica Alcheringa publicou
uma revisão dos répteis fósseis encontrados na Austrália. O estudo,
realizado por pesquisadores brasileiros e australianos, teve
participação de Fabiana Rodrigues da Costa (Museu Nacional/UFRJ), que
apresentou um osso da asa de um réptil voador com marcas de dentes.
Apesar de persistir a dúvida sobre se essas marcas são decorrentes de
um ataque desferido por um predador ou resultado da ação de um animal
carniceiro, o registro é bastante raro para esse grupo de animais
alados. |
Um novo crocodilomorfo do Brasil acaba de ser descrito. O Morrinhosuchus
luziae, como foi batizado, foi encontrado no município de Monte
Alto (São Paulo), em rochas
com aproximadamente 90 milhões de anos, e se diferencia das demais
espécies pela posição de seus dentes. O estudo, liderado por Fabiano
Iori, do Instituto de Geociências da UFRJ, e publicado
pela Revista Brasileira de Geociências, contribui para
compreender a diversidade desses répteis encontrados no país. |
A equipe de Maria Claudia Malabarba (PUC-RS) descreveu uma nova
espécie
de peixe do grupo Cichlidae, coletado em depósitos do Eoceno, de cerca
de 40 milhões de anos, na Argentina. Entre os pontos mais interessantes
destaca-se que a nova forma pertence a um gênero recente –
Gymnogeophagus, encontrado na parte sul da América do Sul. A
nova
espécie, Gymnogeophagus eocenicus, é o mais antigo registro dos
ciclídeos do continente. O estudo foi publicado no Journal of
Vertebrate Paleontology. |
http://cienciahoje.uol.com.br/colunas/cacadores-de-fosseis/repteis-marinhos-de-sangue-quente