domingo, 22 de julho de 2012

Droga para o coração vira vacina contra tumores


21/07/2012 - 05h10

Droga para o coração vira vacina contra tumores

MARIANA VERSOLATO
DE SÃO PAULO

Uma classe barata de drogas, usada há décadas para arritmia cardíaca, pode ter uma nova aplicação: potencializar o efeito da quimioterapia e aumentar a sobrevida de pacientes com câncer.
Segundo pesquisadores de diversas instituições da França, entre eles Laurie Menger, do Inserm, os chamados glicosídeos cardíacos, quando combinados com a químio, agem de modo similar a uma vacina e estimulam o sistema imunológico a matar as células do tumor.


Editoria de arte/Folhapress
Ou seja, a droga para o coração transforma os restos das células cancerosas já mortas pela químio em sinais para que o sistema imune seja ativado contra o câncer. O efeito foi descrito em estudo publicado na revista "Science Translational Medicine".
"É uma boa avenida que pode ter grande implicação, já que a droga é de uso amplo e barata", afirma Victor Piana de Andrade, patologista e pesquisador do Hospital A.C. Camargo.
Esse não é o primeiro trabalho a relacionar essas drogas a efeitos antitumorais, mas, desta vez, os pesquisadores foram além e demonstraram os efeitos dos glicosídeos cardíacos in vitro, em camundongos e observaram o efeito dessa combinação de drogas em pacientes tratados para o câncer.
Na etapa in vitro, os autores quantificaram, por meio de um tipo de microscopia que deixa as moléculas fluorescentes, três alterações das células tumorais quando são usados certos quimioterápicos que estimulam uma resposta imunológica capaz de causar a morte do tumor.
Os pesquisadores então usaram uma biblioteca com medicamentos aprovados pela FDA (agência reguladora de medicamentos nos EUA) e encontraram quatro drogas da classe dos glicosídeos cardíacos, entre elas a digoxina, de uso mais amplo, com esse efeito imunogênico. E testaram essa ação em linhagens celulares de diferentes tumores, com sucesso.
O segundo passo foi validar esses achados em camundongos. Em um dos experimentos, o câncer dos bichos foi tratado com quimioterapia e digoxina, e não foi observado crescimento do tumor posteriormente.
Por último, os pesquisadores usaram dados obtidos com pacientes que receberam tratamento para diferentes tumores e observaram que aqueles que usaram quimioterapia e a droga para o coração ao mesmo tempo tiveram uma sobrevida 13% maior em cinco anos do que aqueles que não usaram o remédio para arritmia.
O benefício, porém, foi observado apenas nos tumores de mama, cólon, fígado e cabeça e pescoço e nos pacientes que usaram quimioterápicos diferentes dos que já têm como efeito estimular o sistema imunológico.
DÚVIDAS
Segundo Andrade, ainda é necessário saber qual é a dose necessária de digoxina para que ela tenha esse benefício extra -algo importante, já que em excesso a droga pode causar a arritmia, em vez de tratá-la- e seus efeitos em pacientes que não têm problemas cardíacos.
Mas, segundo o patologista, há boas chances de o remédio ser implantado mais rapidamente para esse fim porque a substância é antiga e seus efeitos, conhecidos.
"É um conhecimento novo com algum nível de evidência, mas, para isso atingir a população, falta um estudo randomizado e desenhado para essa finalidade", afirma.
http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/1123638-droga-para-o-coracao-vira-vacina-contra-tumores.shtml

Estudo revela mecanismo que faz câncer se espalhar

18/07/2012 - 05h15

Estudo revela mecanismo que faz câncer se espalhar

REINALDO JOSÉ LOPES
Uma equipe internacional de pesquisadores, incluindo brasileiros do Hospital A.C. Camargo (SP), pode ter dado um passo importante para bloquear o insidioso processo por meio do qual o câncer se espalha pelo organismo.
Eles mostraram que uma espécie de bolha microscópica, que lembra uma "minicélula", é capaz de carregar as sementes de um novo tumor para partes distantes do corpo, preparando essas áreas para receber a doença.

Editoria de Arte/Folhapress


Se for possível bloquear a ação dessas "bolhas", os médicos teriam em mãos uma defesa importante contra a metástase, como é conhecido o espalhamento do câncer pelo organismo do doente.
A quantidade e o conteúdo das "minicélulas" também poderiam trazer pistas importantes sobre a gravidade de determinado câncer e sobre a resistência do tumor a medicamentos, explica a bioquímica Vilma Martins, pesquisadora do A.C. Camargo. "Pode ser uma ferramenta muito poderosa para os oncologistas", afirma ela.
Martins assina um estudo sobre o tema que acaba de ser publicado na revista científica "Nature Medicine". A equipe de cientistas, coordenada por David Lyden, da Faculdade Médica Weill Cornell, em Nova York, identificou sinais intrigantes do papel das "bolhas" -conhecidas tecnicamente como exossomos- num câncer que costuma afetar a pele, o melanoma.
UM CORPO QUE SAI
Os termos gregos que formam a palavra "exossomo" podem ser traduzidos exatamente da maneira acima: "um corpo que sai" da célula, como uma espécie de mensageiro, de acordo com o que pesquisas recentes mostram. "É uma área de pesquisa bastante nova", diz Martins.
Os exossomos se formam no interior das células e apresentam uma membrana composta por uma camada dupla de gordura -exatamente como a membrana das células "verdadeiras" (veja quadro).
Em seu interior, podem carregar vários tipos de molécula, inclusive material genético. Atravessam com facilidade a membrana das células e levam essa carga para outras células. "Parece um método eficiente de sinalização celular", explica Martins.
O problema é que, como mostrou o trabalho da bioquímica e seus colegas, essa sinalização pode ser facilmente usada para o mal. Em pessoas com melanoma, por exemplo, os exossomos produzidos carregam uma quantidade maior de proteínas ligadas ao câncer quando o tumor da pessoa é mais grave.
Quando injetadas em camundongos junto com células tumorais, as "minicélulas" facilitaram a formação de tumores, carregando substâncias que ajudam a recrutar células formadoras de vasos sanguíneos.
É que os cientistas apelidam de "criação de nicho" para o tumor: um local cheio de nutrientes trazidos pelos vasos para que o vilão possa crescer. E os vasos também ficam mais permeáveis -o que facilitaria a penetração das células tumorais. O desafio, agora, é aprender a bloquear o processo.
http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/1121721-estudo-revela-mecanismo-que-faz-cancer-se-espalhar.shtml

terça-feira, 17 de julho de 2012

Mutação contra mal de Alzheimer


12/07/2012 - 05h30

Mutação dá nova pista contra mal de Alzheimer

RAFAEL GARCIA
DE WASHINGTON



A descoberta de uma mutação genética (alteração no DNA) que tem o efeito de proteger contra o mal de Alzheimer pode ajudar cientistas na busca de uma droga contra a doença, que leva à perda de memória e à morte.
A pesquisa foi liderada pela empresa deCODE, da Islândia, que estudou as informações genéticas por meio de sequeciamento de DNA de 1.795 nativos do país-ilha.
Eles viram que a incidência de alzheimer era muito menor entre os portadores de uma mutação específica que funciona como uma proteção dos neurônios.
A alteração rara foi encontrada nesse gene (batizado pelos pesquisadores de APP), que contém a receita para a produção de uma proteína de função ainda mal conhecida.
No estudo da "Nature", os autores descrevem como diferentes alterações nesse gene originam versões distintas de moléculas amiloides, umas mais nocivas que outras. Aquelas envolvidas no mal de Alzheimer são as beta-amiloides.
Essas moléculas, quando se unem em grandes quantidades, formam fibras que sobrecarregam e matam os neurônios de diferentes áreas do cérebro ocasionando a perda das capacidades de memória características do paciente com o mal de Alzheimer.
A mutação identificada pelos cientistas faz com que o cérebro consiga digerir as moléculas formadoras dessas fibras, impedindo que elas se agreguem. Com isso, a capacidade de memorização é mantida em níveis normais.
Em outras palavras, essa proteína precisa ser produzida e destruída de maneira adequada pelo organismo.
As células nervosas de pessoas sem a mutação benéfica apontada pelo estudo quebram a proteína de maneira "errada" por meio de uma enzima (chamada Bace-1). É como se os pedaços da proteína ficassem indigestos e acabassem se acumulando.

Editoria de arte/folhapress



MUTAÇÃO PROTETORA
Quem tem a mutação protetora é resistente a essa enzima. E é justamente disso que a indústria farmacêutica estava atrás.
"A busca de drogas contra a Bace-1 [a enzima que quebra de maneira inadequada as fibras, causando o alzheimer] já vinha ocorrendo nos últimos 10 a 15 anos, mas de forma lenta", disse à Folha Kári Stefánsson, presidente da deCODE e cientista coordenador do estudo.
"Não havia uma prova de princípio mostrando que essa estratégia iria funcionar. Essa mutação fornece a prova que faltava", conclui.
Outra descoberta embutida nesse estudo é um mecanismo biológico que liga o mal de Alzheimer à demência senil generalizada, que provoca falhas de memória em pessoas muito idosas.
Antes, acreditava-se que a doença não tivesse relação com o declínio de capacidades cognitivas no envelhecimento. Eram duas situações diferentes e desconectadas.
No entanto, os cientistas viram que a mutação do gene que protege contra o alzheimer também ajuda as pessoas com problemas de memória em idade avançada.
"Nossos resultados sugerem que a doença de Alzheimer com início tardio seria o lado extremo do declínio de funções cognitivas ligadas à idade", afirma Stefánsson.
Segundo o cientista, estudar portadores da mutação também pode ajudar na criação de tratamentos.
"Podemos medir o nível de beta-amiloides [as moléculas que podem se acumular nos neurônios] no sangue dessas pessoas para saber quão longe é preciso ir em um tratamento antes de se verificar um efeito terapêutico."
RENASCIDA DAS CINZAS
A descoberta tem um sabor especial para Stefánsson, que conseguiu colocar a deCODE de novo na liderança desse tipo de pesquisa genética após a empresa passar por dificuldades na crise de 2008.
O braço americano da companhia pediu falência em 2009, e jornais noticiaram que a matriz islandesa deixaria de investir na pesquisa de drogas. Stefánsson nega que isso tenha passado por sua cabeça. "Não faria sentido para mim", disse.

http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/1118787-mutacao-da-nova-pista-contra-mal-de-alzheimer.shtml