20 anos depois, Rio volta a discutir futuro do planeta
Conferência que marca duas décadas da Rio-92 aborda a sustentabilidade como prioridade global
06 de junho de 2012 | 7h 00
Herton Escobar - O Estado de S. Paulo
Vinte anos atrás, representantes de mais de 170 países,
incluindo 108 chefes de Estado, reuniram-se no Rio de Janeiro para
discutir o futuro do planeta, numa conferência histórica que ficou
conhecida como Rio-92. Dela nasceram vários acordos importantes; entre
eles, a Convenção sobre Mudança do Clima, para tratar do problema do
aquecimento global, e a Convenção da Diversidade Biológica, para
promover a conservação da biodiversidade.
Vinte anos depois, milhares de governantes, diplomatas,
ambientalistas, empresários, cientistas e outros representantes da
sociedade civil ao redor do mundo estão mais uma vez a caminho da Cidade
Maravilhosa para a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento
Sustentável – a Rio+20 –, que ocorre do dia 13 ao 22.
O desafio é essencialmente o mesmo de duas décadas atrás: fazer as
pazes entre crescimento econômico, justiça social e conservação
ambiental. Promover o chamado desenvolvimento sustentável, “que atenda
às necessidades das gerações presentes sem comprometer a habilidade das
gerações futuras de suprirem suas próprias necessidades”, segundo a
definição oficial, de 1987.
A conscientização global sobre a importância da sustentabilidade
aumentou expressivamente desde a Rio-92. Mas os problemas permanecem. A
população mundial, que era de 5,5 bilhões em 1992, agora é de 7 bilhões,
e a pressão sobre os recursos naturais é cada vez maior.
O momento é crítico, mas a crise econômica e os fracassos
diplomáticos dos últimos anos geraram um cenário pouco favorável à
discussão de compromissos ambientais, sem os quais o desenvolvimento
sustentável se torna insustentável. Se a Rio+20 servirá apenas para
reafirmar velhos problemas ou para oferecer novas soluções, só as duas
semanas de negociação poderão dizer.
DEZ TEMAS PARA UM PLANETA SUSTENTÁVEL
Economia Verde
Um dos temas mais importantes da conferência é também um dos mais abstratos, podendo ser definido de diversas maneiras.
De forma geral, a ideia é promover modelos econômicos mais favoráveis
ao desenvolvimento sustentável, que incorporem critérios de
sustentabilidade ambiental e social – e não apenas econômicos. Pela
definição do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), a
economia verde tem três características básicas:emite pouco
carbono,utiliza os recursos naturais de forma eficiente e promove a
inclusão social.
Por exemplo, economias que privilegiem o uso de energias renováveis,
reciclagem de lixo,conservação da biodiversidade e valorização dos povos
tradicionais.
Em contraste com os modelos atuais, caracterizados pelo uso de
combustíveis fósseis, extinção de espécies, degradação ambiental e
desigualdades sociais.
Água
A água é um recurso finito. Só 1% dos
recursos hídricos da Terra estão disponíveis para consumo humano, na
forma de água doce e líquida na superfície. Outros 99% são de água
salgada nos oceanos ou congelada nos polos. O uso sustentável dos
recursos hídricos, portanto, é essencial à sobrevivência humana. A
poluição, o desperdício e o aumento da demanda, impulsionado pelo
aumento da população global, fazem da água um recurso cada vez mais
escasso e caro de se obter, até mesmo nos países ricos. Uma situação que
só tende a se agravar com as mudanças climáticas.
A atividade que mais consome(e desperdiça) água no planeta é a
agricultura, seguida pela indústria. Nas cidades, o problema é agravado
ainda mais pela falta de saneamento básico e tratamento, que
impossibilita o consumo das fontes de água mais acessíveis, gera doenças
e agrava as condições de pobreza.
Agricultura
A produção de alimentos
estará presente em quase todas as discussões da Rio+ 20, tanto pelo
aspecto de segurança alimentar e combate à pobreza quanto por sua
vulnerabilidade às mudanças climáticas. A população mundial, hoje de 7
bilhões, deverá chegar a 9 bilhões em 2050, aumentando ainda mais a
demanda por alimentos – e,consequentemente, pelos recursos necessários
para produzi-los, como solo, rios e oceanos saudáveis.
O grande desafio, portanto, é produzir mais alimentos com menos
recursos, menos espaço e menos impacto ao ambiente. Um desafio
conflituoso, simbolizado no Brasil pelas discussões sobre o novo Código
Florestal, cuja solução envolve uma série de questões políticas,
econômicas e tecnológicas. Segundo a organização da ONU para agricultura
(FAO), em 2009, o número de famintos atingiu um recorde: mais de 1
bilhão de pessoas.
Energia
Há mais de 150 anos a economia global
depende quase exclusivamente dos combustíveis fósseis (petróleo, gás e
carvão mineral) para fazer quase tudo, desde movimentar tratores no
campo até alimentar caldeiras e gerar eletricidade para cidades
inteiras. Isso causou boom de desenvolvimento, mas também ao acúmulo de
gases do efeito estufa (principalmente dióxido de carbono, CO2) na
atmosfera – causa do aquecimento global. Sem falar nos conflitos
geopolíticos e econômicos associados.
Apenas 16% da energia consumida no mundo hoje é oriunda de fontes
renováveis, como eólica, solar, hidráulica e de biomassa. Aumentar essa
parcela e reduzir a dependência dos fósseis é, talvez, o maior desafio
do desenvolvimento sustentável – e da Rio+20. A transição carece de
investimentos, tecnologia e políticas de incentivo. E de acordos que
estabeleçam metas para tal.
Clima
As mudanças climáticas não aparecem com
destaque na agenda de negociações da Rio+20, porque já contam com um
fórum específico de discussão, que é a Convenção-Quadro das Nações
Unidas sobre Mudança do Clima (que deu origem ao Protocolo de Kyoto e
estabelece metas de redução de emissões). Ainda assim, é inevitável que o
tema aparece com destaque na conferência, já que suas consequências são
globais e atingem todos os setores da economia e da sustentabilidade
ambiental e social – em especial, a produção de alimentos e a ocorrência
de eventos climáticos extremos, como secas e inundações.
Apesar dos esforços, as emissões globais de gases do efeito estufa
continuam a crescer. As negociações esbarram em disputas sobre as
responsabilidades de países desenvolvidos versus em desenvolvimento, um
debate que deve se repetir na Rio+20.
Biodiversidade
A destruição das florestas
tropicais, como a Amazônia, é o sintoma mais emblemático da relação
conflituosa entre homem e meio ambiente, entre crescimento econômico e
conservação ambiental. Cerca de 130 mil km² de florestas são derrubados
por ano no planeta para dar lugar a plantações, pastagens e cidades, ou
simplesmente para obtenção de madeira. É uma das causas primordiais da
extinção de espécies, já que as florestas são o maiorr eservatório de
biodiversidade terrestre do planeta.
A conservação da biodiversidade é um tema já contemplado pela
Convenção sobre Diversidade Biológica da ONU. Mas a expectativa é que
também faça parte dos debates da Rio+20, pois está intrinsecamente
relacionada à conservação das florestas e outros ecossistemas essenciais
para a produção de água, estabilidade climática e outros serviços
ambientais indispensáveis.
Oceanos
Os oceanos cobrem 72% da superfície
terrestre. São o maior hábitat do planeta, com a maior quantidade e
diversidade de formas de vida. São também o maior reservatório natural
de carbono e de energia térmica, essenciais para a regulação climática
do planeta. Além de ser fonte básica de renda e alimentação para bilhões
de pessoas.
No entanto, apenas 1% dos oceanos estão protegidos por unidades de
conservação. Grande parte das espécies marinhas exploradas
comercialmente já estão ameaçadas de extinção, com graves consequências
para o equilíbrio ambiental dos oceanos e a sustentabilidade econômica
da pesca. Há ainda o problema da poluição e da acidificação da água,
causada pelo aumento das concentrações deCO2 na atmosfera.
Historicamente negligenciados nas políticas de conservação, os oceanos
deverão ganhar destaque na Rio+20.
Pobreza
É o principal desafio social relacionado ao desenvolvimento
sustentável. Pobreza e degradação ambiental estão intimamente
relacionadas, principalmente nos países em desenvolvimento, onde muitas
populações dependem da exploração predatória dos recursos naturais, por
meio da pesca ilegal, do tráfico de animais ou do desmatamento.
Nas cidades, essa ligação também existe, com impactos graves sobre a
saúde e a qualidade de vida das pessoas. No modelo econômico
tradicional, pobreza gera degradação ambiental e compromete o
desenvolvimento econômico, o que gera mais pobreza,num ciclo vicioso de
insustentabilidade.
Numa lista de objetivos prioritários da conferência divulgada pelo
Brasil, o primeiro item é: “A incorporação definitiva da erradicação da
pobreza como elemento indispensável à concretização do desenvolvimento
sustentável”.
Povos Tradicionais
Os povos tradicionais –
como os índios e ribeirinhos da Amazônia, os Inuits do Ártico, os povos
das montanhas nos Himalaias, os aborígenes da Austrália, os maoris do
Pacífico – são os principais guardiões da sabedoria associada aos
recursos naturais e, em muitos casos, os guardiões na prática de áreas
protegidas. Contraditoriamente, porém, esses povos são frequentemente os
que menos têm voz nas decisões sobre o ocorre em seus territórios. E
vivem muitas vezes em condições de abandono, até forçados a praticar
crimes ambientais ou migrar para as cidades para sobreviver.
É desafio do desenvolvimento sustentável dar voz e qualidade de vida a
eles, respeitando e preservando suas culturas e práticas tradicionais.
Em um evento paralelo à Rio+20, índios brasileiros e outro povos
tradicionais farão debates numa aldeia montada em Jacarepaguá, chamada
Kari Oca.
Cidades
É no ambiente urbano que os sintomas
do desrespeito ao desenvolvimento sustentável se tornam mais agudos e
evidentes, na forma de poluição, pobreza, problemas de saúde, trânsito
caótico, lixo, solos contaminados, custos de vida cada vez mais altos e
outros problemas típicos das cidades “modernas” – especialmente nos
países em desenvolvimento.
O Brasil tem exemplos emblemáticos, como o Rio Tietê, que passa como
um esgoto a céu aberto por São Paulo, e o aterro de Jardim Gramacho, no
Rio, fechado na semana passada, que por 34 anos funcionou à beira da
Baía de Guanabara (também altamente poluída). Problemas ambientais que
afetam diretamente a qualidade de vida das pessoas. As cidades são
também grandes fontes de emissão de gás carbônico, principalmente por
conta dos combustíveis veiculares. E quanto pior o trânsito, maiores as
emissões
http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,20-anos-depois-rio-volta-a-discutir-futuro-do-planeta,882757,0.htm