domingo, 13 de março de 2016

A biorremediação pode ser eficaz no rio Doce?


A biorremediação pode ser eficaz no rio Doce?

Procedimento que utiliza organismos naturalmente existentes para degradar substâncias tóxicas seria insuficiente diante de tragédia ambiental, diz especialista na seção O leitor pergunta da CH 333.
Por: Jean Remy Davee Guimarães
Publicado em 10/03/2016 | Atualizado em 10/03/2016


Vista parcial do rio Doce na cidade mineira de Governador Valadares. Segundo informações preliminares, pH da lama que contaminou o rio é extremamente alcalino. (foto: Wikimedia CC BY 3.0)


Segundo a EPA, a Agência de Proteção Ambiental norte-­americana, a biorremediação designa tratamentos que usam organismos naturalmente existentes no ambiente para degradar substâncias tóxicas em substâncias não tóxicas ou menos tóxicas. Parece muito virtuoso e esperto; mas, se uma indústria libera toneladas de rejeitos tóxicos  no ambiente, poderá não fazer absolutamente nada e argumentar que está fazendo um tratamento de biorremediação, isto é, permitindo que as bactérias naturalmente presentes no ambiente degradem o rejeito em questão. O processo poderá levar séculos e não degradar mais que uma fração do rejeito, ou, inclusive, transformar o rejeito em algo mais tóxico do que era originalmente, dependendo do tipo e da forma química dos poluentes presentes no rejeito.
Uma opção menos preguiçosa, barata e conveniente seria, por exemplo, isolar bactérias resistentes aos poluentes, que sejam também capazes de degradá-­los, cultivá-­las e reintroduzi-­las no ambiente contaminado, na esperança de que se comportem, naquele ambiente, do mesmo modo que no laboratório, o que nem sempre é o caso. Mas, sendo o caso ou não, é sempre positivo para a imagem das empresas poluidoras: afinal, estão tentando fazer algo e ainda usando técnicas ‘ecológicas’.
Plantas terrestres e aquáticas – como o aguapé – também podem ser úteis na biorremediação, extraindo metais e outros poluentes do solo ou da água. Isso, no entanto, só muda o problema de lugar, e resta decidir o que fazer com o aguapé contaminado: não pode ser consumido ou enterrado. Se contiver apenas metais como poluentes, pode ser queimado, mas as cinzas resultantes deverão ser segregadas  para evitar que os metais em questão voltem a circular pela biosfera. Convém lembrar o ensinamento do químico francês Antoine de Lavoisier: a matéria não se cria nem se perde, só muda de lugar e de estado físico-­químico.
O aguapé poderá talvez ajudar a melhorar algo da qualidade da água do rio, mas será absolutamente inútil para remover, e muito menos detoxificar, os 60 milhões de toneladas de rejeito sólido que a catástrofe despejou no rio Doce
No caso especifico da catástrofe ambiental do rio Doce, o volume de rejeitos que vazou equivale a um cubo de 391 m de lado. Informações preliminares indicam que o pH (grau de acidez) da lama seria 13; portanto, extremamente alcalino. Isso ilustra bem uma das limitações da biorremediação: não só é muito lenta e incerta como também só pode ser empregada se o material a biorremediar tem condições mínimas de abrigar alguma forma de vida – o que é duvidoso no caso dos rejeitos de mineração que praticamente colmataram a calha do rio Doce.
O aguapé poderá talvez ajudar a melhorar algo da qualidade da água do rio, mas será absolutamente inútil para remover, e muito menos detoxificar, os 60 milhões de toneladas de rejeito sólido que a catástrofe despejou no rio Doce e que, por sua quantidade e espessura, ficarão inacessíveis a plantas e outros organismos por tempos que podem ser geológicos de tão longos. Para a sociedade como um todo, prevenir é sempre mais vantajoso do que remediar. Para as empresas de mineração, nem sempre.
Você acabou de ler um texto publicado na CH 333. Clique aqui para acessar uma versão digital parcial da revista e ler outros textos da edição.
 
Jean Remy Davee Guimarães 
Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Nenhum comentário: