quarta-feira, 19 de junho de 2013

Estudo de assimetria ajuda tratamento de doenças

Estudo de assimetria ajuda tratamento de doenças

DO "NEW YORK TIMES"

Um dia, em 1788, os estudantes da Escola de Medicina Hunterian, em Londres, estavam abrindo um cadáver quando descobriram algo surpreendente. A anatomia do morto era uma imagem espelhada da que seria normal. Seu fígado ficava no lado esquerdo, em vez do direito. Seu coração tinha crescido no lado direito, não no esquerdo.
O relatório do professor da escola, o médico escocês Matthew Baillie, foi a primeira descrição detalhada dessa condição, que passou a ser conhecida como "situs inversus" e parece ocorrer em cerca de uma em cada 20 mil pessoas.
Baillie afirmou que a condição poderia ajudar os médicos a compreender como nossos corpos normalmente distinguem o lado direito do esquerdo.
As mutações que causam o "situs inversus" podem levar a vários distúrbios graves, incluindo defeitos cardíacos congênitos. Decifrar os efeitos de genes alterados poderia levar a diagnósticos e tratamentos dessas condições.
"Compreender como você monta esse eixo tem muitas implicações para a compreensão da doença cardíaca congênita", disse Rebecca Burdine, bióloga molecular na Universidade Princeton, em Nova Jersey.
Dominic P. Norris, biólogo do desenvolvimento no Conselho de Pesquisa Médica em Harwell, na Inglaterra, e outros cientistas estão começando a resolver esse quebra-cabeça. Eles identificaram alguns dos passos pelos quais os órgãos dos embriões se desenvolvem à direita ou à esquerda.
Nossos corpos começam simétricos, sendo o lado esquerdo um reflexo perfeito do direito.
A assimetria no corpo humano começa a aparecer depois de seis semanas de gestação. O coração é o primeiro órgão a se posicionar. Começando como um simples tubo, ele se inclina para a esquerda e mais tarde gera diversas câmaras e vasos de cada lado.
Mas essas mudanças visíveis surgem muito depois de o embrião ter desenvolvido diferenças à esquerda e à direita. Experiências revelaram que o embrião inicial produz proteínas diferentes de cada lado, embora ainda pareça simétrico.
Os biólogos identificaram o ponto exato em que essa simetria começa a se romper: um pequeno caroço chamado nódulo, na linha mediana do embrião. O interior do nódulo é forrado por centenas de pequenos pelos, chamados cílios, que giram em um ritmo de dez vezes por segundo.
"É como um liquidificador", disse o doutor Norris. "Não para de girar." Inclinados, os cílios empurram o fluido que envolve o embrião em uma direção, da direita para a esquerda. Quando os cientistas inverteram esse fluxo em embriões de ratos, aconteceu a formação de órgãos invertidos.
Quando o fluido começa a se movimentar, leva apenas três ou quatro horas para que os lados esquerdo e direito sejam definidos.
A borda do nódulo é cercada de cílios que reagem ao fluxo sem girar. "Não sabemos os detalhes e a verdadeira mecânica do que acontece nessas células."
Os cílios podem então liberar átomos de cálcio que se espalham para as células circundantes. Estas reagem emitindo uma proteína chamada nodal, que se espalha pelo lado esquerdo do embrião, deixando-o inundado de nodal.

Jonathon Rosen/The New York Times


Pessoas com a mutação têm órgãos em posição invertida


"A nodal parece dizer diretamente às células do lado esquerdo para que se movam mais depressa que as da direita", disse a doutora Burdine.
As células rápidas do lado esquerdo puxam todo o coração no sentido horário. A partir desse giro inicial, o coração desenvolve seus lados esquerdo e direito diferenciados.
Alguns estudos sugerem que esses primeiros sinais também influenciam o desenvolvimento cerebral.
Os cientistas sabem, há muito tempo, que os dois lados do cérebro humano têm algumas diferenças importantes. O hemisfério direito, por exemplo, tem uma grande função na compreensão da vida mental das outras pessoas, já o hemisfério esquerdo é importante para focalizar a atenção.
Enquanto observam esses sinais biológicos, os cientistas também estudam distúrbios que podem estar ligados à sua desordem.
"Situs inversus", a inversão total dos órgãos que Baillie descreveu em 1788, talvez seja o distúrbio mais drástico, mas também é um dos menos prejudiciais.
A inversão é relativamente segura porque todos os órgãos se alinham. O verdadeiro perigo está nas inversões incompletas -"quando fica uma confusão, e as coisas não se ligam adequadamente", disse o doutor Norris.
Os casos mais preocupantes são os que afetam o coração. "Se o coração estiver no lugar errado, e todo o resto estiver certo, é quase sempre fatal", disse a doutora Burdine.
Ela espera que a pesquisa sobre os distúrbios de esquerda e direita leve a testes genéticos capazes de prever o risco de defeitos cardíacos ocultos. Ela até vê uma aplicação nas tentativas de reconstruir corações danificados com células-tronco.
"Vai ser mais que apenas fazer as células certas", disse ela, acrescentando que elas teriam de ser colocadas na estrutura tridimensional adequada e receber os sinais corretos sobre aonde ir.
"E um desses sinais é o sinal de direita/esquerda", disse.
http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2013/06/1296439-estudo-de-assimetria-ajuda-tratamento-de-doencas.shtml

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