domingo, 31 de outubro de 2010

Especial de Halloween: medicina medieval


Especial de Halloween: medicina medieval

por Carlos Orsi

á que o assunto do fim de semana é o horror e o terror, o que poderia ser melhor que uma olhada nas teorias que regeram a medicina até poucos séculos atrás?
De Hipócrates (300 AEC) a Galeno (150 EC) e por todos os séculos posteriores em que as ideias desses dois sábios reinaram, o que se passava por ciência médica no ocidente começava e terminava nos quatro elementos — terra, fogo, ar e água — e em suas qualidades: a terra é fria e seca; o fogo é quente e seco; o ar é quente e úmido; e a água é fria e úmida.
O que diabos isso tem a ver com saúde humana? No século VI, Alexandre de Tralles decretava que o dever do médico era “esfriar o quente; secar o úmido; aquecer o frio; umedecer o seco”. Em outras palavras, restaurar, no paciente, o equilíbrio entre essas propriedades fundamentais, balanço cuja perda seria a causa da  doença.
Como isso era feito? Achava-se que o equilíbrio era ditado pelos temperamentos, que por sua vez eram controlados pelos humores. Dizer que fulano tem um “temperamento ruim” porque “vive de mau humor” hoje pode ser uma queixa fútil contra o chefe ranzinza, mas há mil anos era diagnóstico médico da maior gravidade.
Os humores eram fluidos que, acreditava-se, percorriam o corpo; sua abundância ou escassez determinava os temperamentos, e cabia ao médico pôr a casa em ordem.
O fluido, ou humor, quente e úmido é o sangue, e o temperamento dominado por ele é o sanguíneo, ou otimista e impetuoso; seu oposto é a bile negra, fria e seca, que produz o temperamento melancólico; a bile amarela é o humor quente e seco, e domina o temperamento colérico; a fleuma é fria e úmida e predomina no temperamento, você adivinhou, fleumático.
Além de corresponder aos quatro elementos clássicos, os humores ligavam-se às estações do ano (o verão, quente e seco, pertence à bile amarela e aos coléricos) e, por meio delas, à astrologia.
Era com base nessa intrincada rede de metáforas e superstições que se praticava a medicina. Um diagnóstico do século XVI, citado por Joseph Jastrow em seu monumental Error and Eccentricity in Human Belief, dizia: “Temperatura e condição muito úmidas e frias, o fluxo dos humores coincidindo com as conjunções e oposições da Lua”.  Sangrias eram realizadas para drenar excessos de calor e/ou umidade.
Claro, o processo tinha algum dinamismo e a medicina fazia avanços, ainda que terrivelmente lentos para os nossos tempos, que viram os antibióticos, a radioterapia, o remédio para pressão alta e o Viagra surgirem em menos de 100 anos.
No século XII, talvez como um efeito colateral das duas ou três primeiras Cruzadas, pó de múmia passou a ser um componente popular de medicamentos. Não só inúmeras múmias egípcias foram destruídas para alimentar essa farmacopeia, como corpos frescos também passaram a ser usados.
Uma receita do século XVII pede, como matéria-prima, o “cadáver (…) de um homem completo, não mutilado, limpo e sem nódoas da idade de 24 anos, que tenha sido enforcado ou quebrado na roda (…)”. “Quebrar na roda” era, claro, um método especialmente excruciante de morte sob tortura.
Quem quiser saber mais sobre múmias medicinais pode baixar a edição de Halloween da Annals of Improbable Research, que traz boas referências a respeito.
 Ilustração mostra dentista em ação no século XIV
http://blogs.estadao.com.br/carlos-orsi/2010/10/29/especial-de-halloween-medicina-medieval/

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