domingo, 8 de agosto de 2010

O manto negro da morte

O manto negro da morte

O maior derramamento de petróleo da história, no golfo do México, parece ter sido contido. Jerry Borges afirma em sua coluna, porém, que o problema só começou, e que ainda não temos tecnologias para avaliar e combater esse desastre ambiental.
Por: Jerry Carvalho Borges
Publicado em 06/08/2010 | Atualizado em 06/08/2010


 Equipes de salvamento se aproximam da plataforma 'Deepwater Horizon' após a explosão, em 20 de abril: após acidente, o mundo se viu diante de uma situação inédita, escreve Jerry Borges: um vazamento submarino sem solução (foto: US Coast Guard).  
Às 22h do dia 20 de abril de 2010, uma explosão destruiu a plataforma petrolífera Deepwater Horizon, da gigante do setor British Petroleum (BP). O acidente vitimou 11 pessoas e gerou chamas que chegaram a 90 metros de altura e puderam ser vistas a 56 quilômetros de distância. Contudo, os impactos desta explosão no golfo do México serão sentidos muito mais longe e por muito mais tempo.
Após o acidente – que pode ter sido causado por um erro humano – ocorreu uma falha no equipamento de segurança que deveria ter fechado a abertura do poço.
Assim, depois da explosão inicial, o mundo se viu diante de uma situação inédita: um vazamento submarino sem solução. Como consequência, o petróleo vazou sem interrupção por 86 dias até ser aparentemente bloqueado em 15 de julho de 2010.
Nesta semana, diante das medidas da BP para selar o poço definitivamente, o presidente norte-americano Barack Obama disse que a batalha estaria chegando ao fim e que cerca de 75% do petróleo havia sido recolhido ou “foi dissipado pela natureza”. Contudo, com o conhecimento científico que temos hoje, é impossível acreditar que essa informação esteja correta.
Os números associados ao acidente com essa plataforma são surpreendentes, e tornam-no o pior desastre ambiental da história.

 Barack Obama conversa com operários empenhados na contenção do petróleo, em Alabama
(Foto: Chuck Kennedy/ The White House – CC BY 3.0). 

Estimativas indicam que mais de 60 mil barris jorraram a cada dia pela abertura do poço da Deepwater Horizon. Como cada barril de petróleo comporta cerca de 159 litros, acredita-se que, nesses quase três meses de vazamento, tenham jorrado mais de 1,2 milhão de toneladas de petróleo.
Dados da Agência Internacional de Energia (AIE) são ainda superiores e indicam que o vazamento tenha sido de 2,3 a 4,5 milhões de barris de petróleo. Para fins comparativos, vale lembrar que no Brasil se consomem 2,1 milhões de barris de petróleo por dia.
Baseando-se nesses números, o acidente supera o vazamento de 18 meses ocorrido entre março de 1910 e setembro de 1911, no poço Lakeview Gusher, na Califórnia (EUA), e seria cerca de 35 vezes maior que o derramamento causado pelo acidente com o petroleiro Exxon Valdez no Alasca (EUA) em 1989 (ou 112 vezes maior, com base nas estimativas da AIE).
O montante do petróleo que vazou é difícil de ser estimado. Da mesma forma, a contenção do vazamento é muito difícil de ser quantificada sem qualquer contestação e, mesmo que restem ‘apenas’ 25% de petróleo no ambiente, como afirmado, o acidente pode ter consequências ecológicas, sociais e econômicas muito mais graves do que estamos aventando agora.
A BP gastou em torno de US$ 5 bilhões em tentativas infrutíferas para bloquear a abertura do poço e mais de US$ 25 bilhões em gastos diversos associados com o acidente.
Ainda assim, o vazamento, a cerca de 1,6 km de profundidade gerou uma mancha de óleo que contaminou cerca de 6.500 km2 e poluiu as regiões litorâneas de seis estados norte-americanos destruindo manguezais e matando impiedosamente aves, caranguejos, peixes, corais e tudo o mais que podia alcançar. Estimativas indicam que a sobrevivência de mais de 600 espécies animais esteja ameaçada pelo vazamento.

Funcionários de agências de proteção à vida animal resgatam um pelicano coberto de óleo na costa da Louisiana (foto: John Miller/ US Coast Guard).

Sabe-se prevenir, mas não remediar

O problema é que, simplesmente, ainda não foi desenvolvida uma tecnologia eficaz para minimizar os efeitos de grandes vazamentos de petróleo.
O petróleo é um composto complexo constituído por quatro frações: os elementos saturados (parafinas e naftenos), os aromáticos, as resinas e os asfaltenos.
Cada uma dessas frações é formada por uma série de compostos com uma composição química complexa e, em diversos casos, ainda desconhecida. Além disso, há uma considerável variação na composição de amostras diferentes de petróleo.
Quando o petróleo é derramado em uma área, ele se espalha sobre a superfície da água, sofrendo modificações que transformam seus componentes. No caso do acidente com a Deepwater Horizon, parte do petróleo derramado, principalmente alguns de seus componentes mais tóxicos, pode também estar se espalhando pelo fundo do oceano, alcançando distâncias de até 50 km do poço danificado.

 Banho em um atobá salvo do petróleo 
(foto: Les Stone, International Bird Rescue Research Center – CC BY 2.0).

O petróleo possui compostos altamente tóxicos, muitos dos quais são reconhecidos pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos como carcinogênicos e mutagênicos.
Especialistas afirmam a exposição de organismos marinhos a esses produtos tóxicos pode se estender durante longos períodos, pois a eliminação desses componentes depende da ação de microrganismos e é um processo muito lento, que demora anos.
A degradação de componentes do petróleo através da ação de espécies de bactérias e de fungos filamentosos e de leveduras é amplamente conhecida.
Contudo, como o petróleo contém concentrações muito pequenas de nutrientes essenciais, como o nitrogênio e o fosfato, o desenvolvimento da imensa maioria de microrganismos é diminuído ou mesmo impedido.
A disponibilidade reduzida de oxigênio no fundo do mar faz com que a degradação do petróleo dependa da ação de microrganismos anaeróbicos.


Além disso, a degradação microbiana de petróleo torna-se mais lenta quando há uma diminuição da temperatura ambiental, sendo praticamente nula em temperaturas próximas do congelamento.
Essas condições ambientais tornam mais difícil a utilização de técnicas para se eliminar a contaminação por petróleo. Mesmo em ambientes sujeitos a condições mais amenas, os processos metabólicos bacterianos consomem um tempo considerável, o que limita bastante a sua eficácia em situações como as observadas no golfo do México.
Apenas para se ter uma ideia, algumas bactérias que vivem nesses ambientes podem demandar entre 20 e 160 dias para se multiplicarem – processo que consome apenas algumas horas em bactérias que vivem em temperaturas maiores.

 Os vazamento de petróleo é visível nas ilhas Chandeleur, na costa da Louisiana 
(foto: Jeffrey Warren – CC BY 2.0).

Biorremediação

O emprego de microrganismos para a eliminação dos efeitos de poluentes, conhecido como biorremediação, foi desenvolvido durante as décadas de 1980 e 1990. Atualmente, essas técnicas têm sido empregadas para a atenuação da poluição ambiental causada por atividades de mineração e eliminação de efluentes tóxicos e pela extração, transporte e transformações químicas do petróleo.
Quando comparadas com métodos tradicionais, as técnicas de biorremediação são interessantes devido ao seu baixo custo, por apresentarem riscos ambientais menores, além de serem mais específicas e eficientes do que métodos tradicionais.
Alterações fisico-químicas também podem ser realizadas como parte dos processos de biorremediação. Essas modificações podem estimular o metabolismo de bactérias naturalmente presentes no ambiente ou, alternativamente, de microrganismos introduzidos no local.
Para alguns especialistas na área, uma alternativa para se minimizar os problemas ambientais da Deepwater Horizon, poderia ser, por exemplo, a adição de compostos ricos em nutrientes, como os fertilizantes agrícolas. Essa metodologia tem se mostrado efetiva e proporcionado uma elevação na taxa de biodegradação em cerca de 2 a 5 vezes, sem causar efeitos adversos reconhecíveis.
Os desdobramentos políticos e ecológicos do desastre no golfo do México ainda não são totalmente conhecidos, porém há indícios de que ocorrerão muitas mudanças no futuro da exploração submarina de petróleo. O presidente norte-americano Barack Obama, por exemplo, que era favorável a um aumento na prospecção petrolífera em águas profundas, suspendeu esse tipo de perfuração e vetou novas permissões de exploração petrolífera.

 Barcos de pesca de camarão puxam cordão de isolamento de petróleo na costa da Louisiana 
(foto: Patrick Kelley/ US Coast Guard).

Atualmente, cerca de 6% do petróleo produzido no mundo provém de plataformas similares à Deepwater Horizon, que era uma das mais avançadas do ponto de vista tecnológico. Estimativas indicam esse tipo de exploração poderá ser duplicada nos próximos vinte anos, apesar de a empreitada envolver enormes riscos para quem trabalha na sua operação e para o meio ambiente.

As lições do desastre no golfo do México devem de ser compreendidas pelo Brasil, um país que extrai cerca de 90% do petróleo que produz dos mares (são 826 poços marítimos, 200 deles em águas profundas) e que pretende começar a exploração comercial do petróleo localizado na camada pré-sal, em uma profundidade de onde nunca se extraiu petróleo.
Esperemos que esse acidente finalmente abra os olhos do governo brasileiro, já que as dezenas de pequenos e médios acidentes nas plataformas brasileiras e o total de quase cinquenta mortos nesses acidentes não foram capazes de fazê-lo.

Jerry Carvalho Borges

Departamento de Medicina Veterinária
Universidade Federal de Lavras
 http://cienciahoje.uol.com.br/colunas/por-dentro-das-celulas/o-manto-negro-da-morte

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